terça-feira, 24 de novembro de 2009

Killing you softly

Essa noite tive um sonho incomum.

Eu matava alguém.

Okay, incomum para mim.

E a sua singularidade mora mais no fato de eu estar adormecida - considerando que, quando acordada, não se passa um dia sem que eu tenha volta de matar muitos zés e marias que cruzam descuidadamente o meu caminho.

Incomum porque matar não era difícil, não era um peso.
Era leveza.
Era liberdade.
Era não ter mais medo.

Nenhum homem pode entender os temores de uma mulher, - e eu não estou falando de ratazanas, baratas ou ficar pra titia - medos que não são deles e que curiosamente também não são meus.
É o medo proporcionado pela consciência de sua própria vulnerabilidade. Porque muitos homens passam a vida ignorando sua humanidade. Mas poucas mulheres fazem isso.

É o medo que faz a gente encolher quando passa por um grupo de rapazes no meio da noite em uma rua mal iluminada. Que faz respirarmos aliviadas quando finalmente cruzamos a esquina ou entramos no ônibus que nos levará para casa.

É o medo que incita a passividade ante a violência gratuita de uma degradação verbal e pública. O medo que se forma em máscaras sobre nossos rostos.

Mas eu não estou aqui para falar de medo.

Até porque, esse medo não existia mais no meu sonho.

Porque não existia mais a possibilidade de eu ser transformada em vítima apenas.

Não. Ali eu tomara as rédeas. Eu havia me tornado a ameaça.

E já não haviam mais barreiras.

De repente o mundo estava aberto, novo, irreconhecível.
O mundo era um lugar tão meu quanto de qualquer outra pessoa.
E eu podia andar de cabeça erguida, e isso se devia a um direito factual e não apenas suposto, idealizado, convencionado.

Agora veja bem, eu não sou uma pessoa violenta (conhecidos podem discordar, mas quando questionados poucos poderão lembrar de algum gesto violento meu - sob essa lente excluo o testemunho de meus irmãos).

Eu vivo pelas regras. Obedeço aos mandamentos com muito mais fidelidade do que muitos católicos (e nem batizada eu fui). Também vivo pelos meus próprios mandamentos que embora nem sempre sejam politicamente corretos (Who cares? Eu não estou angariando votos) também não justificam atos inomináveis.

Eu acredito em karma.

Então permitam-se extravasar o assombro que me proporcionou este sonho como uma realização de meu subconsciente.
Eu havia matado alguém.
Alguém que não era inocente - mesmo eu sempre tão insensível não tenho sangue-frio afinal de contas.
Alguém cuja ação prévia fizera com que (mentalmente) meus atos fossem justificados.
Mas principalmente, alguém que mais do que uma vítima minha (o poder contido nessa palavra ainda reverbera) fora capaz de destituir todo o sentido construído para que eu nunca tivesse cruzado essa linha.

Esse sonho me provocou assombro.
Eu sou uma pessoa de valores.
Eu me amarro a eles.
E me deixa intrigada de uma forma temerosa e desafiadora a possibilidade de que nada seja assim tão composto de certeza. Nem mesmo as minhas próprias certezas.
Eu posso ser ingênua por sequer acreditar nessas certezas. Mas se eu não for (ingênua), talvez eu não seja apenas mais uma possível vítima. Talvez eu venha a integrar o outro lado.

Meu medo não provém das fragilidades femininas (somente), mas da suscetibilidade humana.

Incrível o efeito que apenas um sonho foi capaz de provocar em mim.
Não foi sequer próximo de ser real.
Eu ainda me atenho a meus valores! (Um exclamação alivia a consciência nessas horas)
Talvez agora com mais força até, tendo em vista a suposta fragilidade da linha que não devo cruzar.

"Não assassinarás"

E talvez eu esteja exagerando.
Talvez eu ainda esteja impressionada
com Dexter ou Precisamos falar sobre Kevin
ou comigo mesma.


Mas prefiro o assombro à indiferença.
E é absolutamente impreterível que essa reação exista, permaneça.

2 comentários:

Três disse...

É que nem meu sonho com o Vlad Tepes Dracul.
Foi mto real e eu senti ele por um dia inteiro...
Agora eu n lembro do sonho todo mas envolvia objetos de tortura, gravidez e suicídio.
Foi foda

Anônimo disse...

ai, eu sou metida e as vezes passo no flog da mariana e passo aqui.
vc escreve incrivelmente bem.