terça-feira, 22 de novembro de 2011

Bastardo Inglório

O tempo é uma armadilha engenhosa.
O mais perigoso ilusionista.
Ele te leva pela mão, te guia em uma dança e te mantém refém. Às vezes por um longo período, às vezes por toda a vida.
O tempo tem várias caras. Tem quem acredite que ele cura. Tem quem diga que ele ajuda a esquecer. Tem quem peça que se dê tempo ao tempo. Tem quem lute contra ele. E quem vive preso a ele. Tem quem se perde nele sem se dar conta, como em um labirinto sem qualquer sinal de saída, apenas caminhos iguais, caminhos sem fim. Tem quem vai e nunca volta, incapaz de retornar, mesmo com as migalhas de pão.
O tempo se faz de aliado. É o lugar onde você enterra lembranças. As mais tenebrosas e obscuras ele se oferece para guardar sem nada receber em troca. O que é suficiente para levantar suspeitas, mas mesmo assim, tem quem não perceba o ato. Assim ele se encarrega de suas memórias, todas elas, boas e ruins. Ele se torna seu guardião. Mas o tempo não é confiável. Aos seus cuidados nossas memórias se perdem, se desencontram, se despedaçam.
Particularmente me preocupa essa sua habilidade. Essa capacidade de se infiltrar em sua história e borrar tudo o que foi vivido. Apagar o que foi ruim, criando a ilusão de que tudo era muito melhor do que foi realmente. Essa ilusão é um abismo que não se desfaz, apenas aumenta, alimentando um monstro de três cabeças (Nostalgia, Fantasia e Saudade). De repente quem morreu virou santo enquanto "amores serão sempre amáveis".
O tempo finge estar ao seu lado, mas mesmo quando ele dá, ele tira. Tira-lhe os anos, a juventude, a inocência. Às vezes até mesmo o sono.
Às vezes até mesmo os sonhos.
É quase engraçada a relação que temos com o tempo. Como somos gratos quando sobra qualquer pouco que seja. Como a sua ausência aumenta a nossa ansiedade. Como com o passar dos anos nos tornamos mais e mais dependentes de cada minuto seu. Como de repente, e não tão de repente, ele se torna o senhor de sua vida e você o seu refém. Tem quem diga que isso faz parte do processo que é crescer. A mim parece mais Síndrome de Estocolmo.
Mas pra que perder meu tempo falando sobre o tempo?
Ah sim, essa noite ele me visitou com quimeras em lugar de lembranças. Franksteins criados a partir de versões do que eu vivi, com apenas pedaços da realidade. É uma criação tão primorosa, feita a partir de você e para você, que resistir quase não parece uma opção.
O tempo é especialmente perigoso quando se está sozinho. Ele seduz e sussurra ao pé do seu ouvido suas próprias verdades sem ter quem desminta. Sua única companhia, disposta a vencer pelo cansaço, se aproveitando de cada uma de suas fraquezas. Se aproveitando de todas elas, um arsenal que você mesmo colocou à sua disposição quando lhe entregou suas histórias.
Essa noite o tempo me mostrou gigantes, mas eu ainda fui capaz de reconhecer os moinhos.
Me pergunto o que será de nós quando eu me render. Será a perdição ou o inevitável? Será que irei ao menos lembrar ou o tempo vai se encarregar de me fazer esquecer mais essa derrota?
Só o tempo dirá.
De todo ele não é tão mau porque não tripudia. Mas também qual mérito existe em uma batalha que já começou vencida?

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Muro de Lamentações

Estar longe de casa é, estupidamente, mais solitário do que eu achei que seria.
Estúpidas são as pessoas que acham que seu coração é mais duro do que o das outras pessoas.
Estúpidas e cegas elas são. (Talvez a cegueira seja sintoma da estupidez mas isso não vem ao caso, não agora);
Você sente falta das coisas que nunca achou que sentiria falta.
De ir no supermercado e encontrar, sem ter que procurar, seu tempero favorito.
Do som tão familiar aos seus ouvidos que é o seu próprio idioma. Simples e sem qualquer esforço.
Dos verbos que escorrem pela sua lingua sem complicação. (Essa perda é especialmente sentida por quem está acostumado a falar sem pensar. Eu saberia.)
Da certeza de ser você sem o medo do excesso. Algo com o que ainda não me acostumei.
Você sente falta das pessoas. Não necessariamente das conversas ou opiniões, mas da simples presença. De ter ao seu alcance.
Dá saudade - e de repente o brasileiro ter essa palavra em seu dicionário nunca fez tanto sentido. Essa palavra foi feita pra quem sente demais.
Dá saudade de se sentir em casa.
Existe aqui, nesse universo estrangeiro - um deslocamento constante. Como se você fosse uma peça quadrada querendo ser redonda, mas sempre sobrando nos cantos.
É solitário e as horas não ajudam, distanciando ainda mais quem já está longe.
Mas não é tudo um lamento sem consolo.
Existem as possibilidades pra te fazer companhia.
Mas elas são tantas e tão barulhentas que o coração fica meio tumultuado e a cabeça então nem se fala. É muita pressão. Pra que a viagem seja tudo aquilo que pode ser ou que você esperou que fosse. Pra que você seja tudo aquilo que pode ser ou que esperou que fosse.
"Ainda é cedo", eu escuto você dizer e já não sei se você é você mesmo ou um pedaço de mim inventando desculpas.
Ainda é cedo e ainda tem tanto por vir. E essa parte definitivamente não é um lamento.
Não se deixe enganar, em mim não mora o arrependimento. (ele sequer me visita)
Se tem alguma coisa que foi certa, foi a escolha de um lugar tão lindo que enche os olhos.
Aqui as pessoas, mesmo meros estranhos, tem sempre um sorriso pra você ainda que ele só resvale a superficie.
E quando você já esqueceu o som da sua voz, tem o mar. E os dedos se enfiando na areia quente. E as tardes de Sol, suas velhas conhecidas.
Tem tudo o que enche os olhos.
E não tem jeito de achar que tudo isso não é certo.
Por que como algo tão belo pode ser qualquer outra coisa?
Se você se sente assim, muito sozinho mesmo, então é só colocar uma música. E deixa a vista te embalar enquanto chico, elis ou tom te dão colo.
O dia aqui dura tanto. Te dando todo o tempo do mundo pra se desfazer das tristezas. Fica parecendo que até o Sol é solidário.
Deixa ele te acolher.
Dá uma chance, eu me digo.
Tô chegando lá.

Essa é uma carta pra todos que me perguntam como eu vou. E eu conto. Sem querer mascarar o que não é bonito.
Conto pra quem quiser ler.
Coloco pra fora, pra não guardar aqui dentro.
Existe uma história sendo escrita aqui. E se ela existe é, não apenas porque tem quem escreva, mas porque tem quem leia.
Minha sinceras desculpas pela falta de um final feliz.
Ainda é cedo demais pra um final.
Qualquer que seja.