quinta-feira, 1 de março de 2012

Palavras suas, palavras minhas

Existe um momento mais rico do que quando você encontra a descrição de algo que você viveu nas palavras que um outro alguém escreveu?

Ou uma definição pra um sentimento que você não soube dar nome. Sabia que estava ali, guardado, mas não o que era ou a que veio.

Escapava-lhe o termo certo, nascido de clareza e coragem, coisas que as vezes estão em falta dentro de nós.

E de repente aquilo não é só seu.

O que pode ser um peso, mas também pode ser leveza.

Lugares em que mais alguém pisou.

Pegadas que afugentam o vazio.

A evidência definitiva de que você não está só. Em tudo de bom e ruim que isso pode significar.

Tudo porque alguém no mundo fez o favor de lhe escrever uma carta sem saber que era você o destinatário.

Quanto mais eu leio, mais tenho vontade ler. Uma sede insáciavel por palavras, significados. Mas mais do que tudo, por reconhecimento.

De tudo aquilo que já sei e de coisas que eu não sabia. Não sei ainda.

Sobre o mundo e sobre os outros.

Sobretudo, sobre mim.

Tantas que nem sei.

Tantas que eu nunca vou saber.

Eu lamento pelas palavras que se perderam.

Mas fico feliz pelas que encontrei.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Mas o que é isso companheiro?

Em uma pesquisa informal com base em minhas experiências pessoais e a de pessoas de meu conhecimento, pela qual adquiri resultados acidentais, cheguei a conclusão que 93% dos homens heterossexuais entre as idades 16 e 63 anos sofre de uma síndrome que apelidei carinhosamente de "Que Rei Sou Eu", ou "QRSE". Essa síndrome é apenas um dos efeitos colaterais da "Babaquice Emocional" um problema muito maior que aflige homens e mulheres incapazes de se relacionarem de uma forma sadia nos dias de hoje.

Como identificar QRSE

Você provavelmente já passou por isso e nem percebeu que estava acontecendo. Ou pelo menos não sabia que tinha um nome. Algumas pessoas chamam de imaturidade, outras tentam criar desculpas com fundamentação freudiana, lacaniana ou edipiana. Algumas pessoas nem ligam, outras fingem que não ligam. Algumas abandonam completamente as aspirações sociais e se juntam à ordens religiosas de práticas celibatárias. Eventualmente todas acabam tendo seu coração partido, mais cedo ou mais tarde.

Acontece quando você menos espera. Tá tudo muito bom, tudo muito bem, todo mundo se curtindo, todo mundo feliz. Se fossemos cachorros esse momento seria o equivalente aquele primeiro encontro onde cada um cheira o traseiro do outro e se dá por satisfeito sem maiores estranhamentos. Ocasionalmente pode até rolar umas fungadas, alguns gemidos e marcação de território pela saliva, o que implica em sucesso desse primeiro encontro (Toda e qualquer semelhança com a interação entre humanos não vem ao caso nesse momento). Meu ponto é: são em ocasiões como essa, as em que menos se espera, que um deslize, por menor que seja traz resultados desastrosos. É a manifestação de QRSE e na maioria dos casos ela não foi prevista pela equipe de previsão metereológica.

Você se pergunta o que deu errado. Foi alguma coisa que você fez? Algo que você disse? Uma ofensa acidental, uma gafe?

A resposta é sim, para todas as alternativas.

Mas isso não quer dizer que a culpa seja inteiramente sua. Pelo contrário, essa síndrome apresenta reações muito parecidas com a síndrome de Estocolmo, no qual as vítimas estabelecem vínculos emocionais com os responsáveis por seu ataque, chegando ao ponto de defendê-los e desculpar suas ações.
Nesse caso você também é a vítima.

O seu maior erro aqui, foi ter expressado de forma compreensível e, possivelmente, direta a sua apreciação pelo outro.

Parece algo natural e inofensivo. Se você gosta de alguém, por que esse alguém não pode saber? Que tipo de relação é essa em que você não pode demonstrar o mínimo de afeto ou consideração? Por que tem que ser um jogo e o principal, quem inventou as regras?

Perguntas válidas e relevantes e para as quais, assim como você, não tenho a resposta.

O fato é que em algum momento das nossas vidas os sinais se inverteram e demonstrar apreciação passou a significar "se desvalorizar", ao menos no dicionário deles. Algo que ainda é permitido quando a relação é amizade (ainda que alguns indivíduos com um grau mais agudo da síndrome apresentem sintomas nesses casos também), mas que em um relacionamento com o grau mínimo de interesse sexual equivale a uma declaração assinada de hanseníase emocional.

Um dos problemas dessa síndrome é que algumas pessoas receberam o memorando informativo e outras não. As que não receberam acabam aprendendo na prática, mas não sem cicatrizes. E eventualmente, em especial quando marcadas muitas vezes, elas passam a carregar traços do mesmo mal. A verdade é que se a maioria dos homens sofre dessa síndrome, atualmente, mas cada vez mais mulheres também. É uma epidemia que já ultrapassou as barreiras de idade, gênero ou orientação sexual.

Talvez isso explique o alastramento da "Babaquice Emocional" na sociedade moderna. E a forma como isso vem afetando a dinâmica das relações, nas quais cada vez mais as pessoas tem que se mostrar menos. Um jogo em que você enfrenta oponente após oponente e que só termina quando uma das partes é vencida. Ou se você joga a toalha e decide ficar sozinho.

O que os jogadores não percebem é que nessa disputa, quem ganha é quem perde. Ser um bom jogador consiste essencialmente em não expor suas vulnerabilidades E se manter por cima. Mesmo que isso signifique passar por cima dos próprios sentimentos caso sejam recíprocos. Aliás, principalmente nesses casos. Porque quando o outro jogador sente o mesmo, então o nível de vulnerabilidade é maior e por isso seus ataques tem que ser mais certeiros para garantir a sua defesa que é entendida como uma possível "vitória".

Um dos problemas dessas práticas é o alto grau de risco. Existe sempre a possibilidade que a outra parte envolvida seja um mau perdedor, ou que simplesmente não saiba as regras. E quando a outra parte não sabe o que está acontecendo ou quando simplesmente se cansa de lutar, você pode sequer culpá-la?

Nesse jogo a solidão é seu seu fiel escudeiro. E somos todos peões.

Se você tem um coração, você está sujeito a ter ele partido e é nesse ambiente que a babaquice emocional prolifera. A síndrome "Que Rei Sou Eu" é apenas mais um dos sintomas.

Brincadeiras à parte, sejamos sinceros? (Coincidentemente - ou não - essa é uma das frases que gatilham o surto da síndrome QRSE)

Eu, pessoalmente, detesto esse jogo. Com todas as forças do meu ser. Só de pensar em ter que entrar nessa dança pra encontrar um par minha reação instintiva é a de correr sem olhar para trás, mesmo que isso signifique passar o resto dos meus dias no equivalente à Sibéria das relações interpessoais.

Por que a gente não pode ser sincero a respeito dos nossos sentimentos? Não tô falando em fazer juras de amor após cinco minutos de convivência. Pelo contrário, cada vez mais eu acredito que a primeira fase, o comecinho de uma relação estabelecida entre duas pessoas, tem que ser saboreado sem pressa e sem pressão. Só duas pessoas curtindo a companhia uma da outra. Não existe a menor necessidade de declarações de amor nesse momento, mas poxa vida, se você pode curtir até no facebook, por que não pode curtir alguém assumidamente na vida real?

Admitidamente a fase de flerte, que também se baseia em jogos, é muito gostosa. Particularmente eu gosto muito - uma vez que consigo identificar que está acontecendo - principalmente pela oportunidade de usar minha espirituosidade aparentemente inútil de um jeito engenhoso e surpreender no caminho. Falo isso pensando em retrospectiva, nos meus relacionamentos anteriores, e posso dizer com certeza que esses foram os momentos em que eu mais me diverti. Mas existe uma diferença entre brincar com meia dúzia de palavras e brincar com o coração dos outros. E ter que ficar cuidando se você está ou não pisando em ovos, faz perder a graça. Principalmente quando os ovos são os testículos alheios.

Eu sinto muito se a outra parte não tem "bolas" suficiente para lidar com os próprios sentimentos ou sentimentos alheios. Sejam essas bolas físicas ou metafóricas. A questão é, todos estamos sujeitos à "Babaquice Emocional" e seus derivados. Mas a única forma de superar essas inclinações é enfrentando de frente o problema. Sem criar desculpas, sem se esconder atrás das ações dos outros. E reconhecer o problema é o primeiro passo.

Se você está sofrendo de "Babaquice Emocional" ou acredita estar apresentando sinais de "QRSE", a cura é um caminho lento e o apoio de seus amigos e familiares vai ser muito importante nesse momento - se é que sobrou algum te aguentando. Um dia de cada vez e menos babaquice cada dia. Assuma responsabilidade pelos seus atos. E principalmente, assuma quando você dá ou não conta de seus sentimentos. Se não por você, faça pelo outro.

Agora se você foi vítima da babaquice emocional alheia, ou teve um contato de primeiro grau com "QRSE" e teme seu alto teor de contágio, existe um manual prático para pessoas como você.

Pergunte-me como.

Vim colher abobrinhas, mas só tinha jiló

Em um momento de nostalgia e saudosismo resolvi reler meus posts mais antigos e pela primeira vez me dei conta de que quem apenas lê os meus blogs sem necessariamente conviver comigo - se é que essa pessoa existe - deve achar que eu sou o cúmulo da depressão. Ou emo. Sinceramente não sei qual das opções é mais perturbadora. E o pior é que isso nem está perto da verdade. Não que eu seja um raio de sol no dia a dia (a não ser que você esteja pensando nos danos que este é capaz de causar caso aja exposição excessiva, mas isso não vem ao caso agora). Quem me conhece sabe que humor é minha arma para as batalhas diárias.
Humor e cafeína.
Assim estou me propondo escrever sobre coisas mais leves e descompromissadas. Ou ao menos sob uma perspectiva mais leve e descompromissada. Chega de lamúrias, adieu tristeza.
Duvido que alguém vá sentir falta.
Eu é que não vou.
E que venham as abobrinhas.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Queria respostas, mas só tinham perguntas

Como você sabe que o que você sente é de verdade?
Como você sabe que não se trata de uma armadilha da sua cabeça, ou do seu coração?
Eu penso e penso, tentando achar os 7 erros.
Mas é tão dificil enxergar a diferença.

Como você sabe que gosta da pessoa pelo que ela é e não por não querer estar mais sozinho?
Não é medo da solidão, é cansaço.
É vazio.
É falta. É frio.
E a pessoa está ali, diante de você.
Segurando um buquê de promessas e uma caixa de possibilidades.
E parece tão simples.

Simples demais.

Como eu sei que me apaixonei por quem ela é e não pela versão que criei em minhas fantasias?
Será que ela sequer existe?

Como você sabe que o sentimento de que algo não está certo, ou de que algo está faltando, se deve ao seu medo de arriscar e perder e não a natureza real do sentimento em si?
Até que ponto é medo?
E quando vira bom senso?
E qual é a diferença?

Como você sabe quem é o mocinho e quem é o bandido, quando o mocinho é cego e egoísta e o bandido é covarde e cheio de motivos para ser o que é?
(O mocinho é o coração, o bandido é a razão).

Eu penso e penso
e penso

e talvez esse seja o problema
Escuto você me dizendo que eu penso demais
Se deixe levar, se deixe sentir...
Mas eu não me deixo.

Eu não sei nadar e tenho medo de me afogar.
Mais do que isso, temo arrastar o outro para as profundezas junto comigo.

Descaso com o meu coração talvez eu fosse capaz de suportar.
Na teoria, mais do que na prática, reconheço.
Ainda assim,
uma das verdades é que eu sobreviveria a ter meu coração partido.
Como mais um capítulo na vida eu apenas recolheria os pedaços e seguiria em frente
Me distrairia com músicas, contos, palavras e versos.
Colocaria um band-aid e deixaria as lágrimas secarem ao vento.

Mas como você faz quando você se importa mais com o coração do outro do que com o seu?
Quando a possibilidade de se ver em pedaços é quase mais um fato da vida.
Mas a idéia de ser responsável por quebrar o outro é mais do que se pode suportar.
É o suficiente para que você não ouse arriscar.
Ou seria essa mais uma desculpa?

O que isso diz sobre o que você sente?
Quem fala mais alto?
E quem o silêncio esconde?
Aquilo que você não ousa admitir sequer em pensamentos.

O que isso diz sobre mim?
E o que quer dizer?

Dizem que quando você sente, quando é de verdade, você sabe.

Como você sabe?

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Bastardo Inglório

O tempo é uma armadilha engenhosa.
O mais perigoso ilusionista.
Ele te leva pela mão, te guia em uma dança e te mantém refém. Às vezes por um longo período, às vezes por toda a vida.
O tempo tem várias caras. Tem quem acredite que ele cura. Tem quem diga que ele ajuda a esquecer. Tem quem peça que se dê tempo ao tempo. Tem quem lute contra ele. E quem vive preso a ele. Tem quem se perde nele sem se dar conta, como em um labirinto sem qualquer sinal de saída, apenas caminhos iguais, caminhos sem fim. Tem quem vai e nunca volta, incapaz de retornar, mesmo com as migalhas de pão.
O tempo se faz de aliado. É o lugar onde você enterra lembranças. As mais tenebrosas e obscuras ele se oferece para guardar sem nada receber em troca. O que é suficiente para levantar suspeitas, mas mesmo assim, tem quem não perceba o ato. Assim ele se encarrega de suas memórias, todas elas, boas e ruins. Ele se torna seu guardião. Mas o tempo não é confiável. Aos seus cuidados nossas memórias se perdem, se desencontram, se despedaçam.
Particularmente me preocupa essa sua habilidade. Essa capacidade de se infiltrar em sua história e borrar tudo o que foi vivido. Apagar o que foi ruim, criando a ilusão de que tudo era muito melhor do que foi realmente. Essa ilusão é um abismo que não se desfaz, apenas aumenta, alimentando um monstro de três cabeças (Nostalgia, Fantasia e Saudade). De repente quem morreu virou santo enquanto "amores serão sempre amáveis".
O tempo finge estar ao seu lado, mas mesmo quando ele dá, ele tira. Tira-lhe os anos, a juventude, a inocência. Às vezes até mesmo o sono.
Às vezes até mesmo os sonhos.
É quase engraçada a relação que temos com o tempo. Como somos gratos quando sobra qualquer pouco que seja. Como a sua ausência aumenta a nossa ansiedade. Como com o passar dos anos nos tornamos mais e mais dependentes de cada minuto seu. Como de repente, e não tão de repente, ele se torna o senhor de sua vida e você o seu refém. Tem quem diga que isso faz parte do processo que é crescer. A mim parece mais Síndrome de Estocolmo.
Mas pra que perder meu tempo falando sobre o tempo?
Ah sim, essa noite ele me visitou com quimeras em lugar de lembranças. Franksteins criados a partir de versões do que eu vivi, com apenas pedaços da realidade. É uma criação tão primorosa, feita a partir de você e para você, que resistir quase não parece uma opção.
O tempo é especialmente perigoso quando se está sozinho. Ele seduz e sussurra ao pé do seu ouvido suas próprias verdades sem ter quem desminta. Sua única companhia, disposta a vencer pelo cansaço, se aproveitando de cada uma de suas fraquezas. Se aproveitando de todas elas, um arsenal que você mesmo colocou à sua disposição quando lhe entregou suas histórias.
Essa noite o tempo me mostrou gigantes, mas eu ainda fui capaz de reconhecer os moinhos.
Me pergunto o que será de nós quando eu me render. Será a perdição ou o inevitável? Será que irei ao menos lembrar ou o tempo vai se encarregar de me fazer esquecer mais essa derrota?
Só o tempo dirá.
De todo ele não é tão mau porque não tripudia. Mas também qual mérito existe em uma batalha que já começou vencida?

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Muro de Lamentações

Estar longe de casa é, estupidamente, mais solitário do que eu achei que seria.
Estúpidas são as pessoas que acham que seu coração é mais duro do que o das outras pessoas.
Estúpidas e cegas elas são. (Talvez a cegueira seja sintoma da estupidez mas isso não vem ao caso, não agora);
Você sente falta das coisas que nunca achou que sentiria falta.
De ir no supermercado e encontrar, sem ter que procurar, seu tempero favorito.
Do som tão familiar aos seus ouvidos que é o seu próprio idioma. Simples e sem qualquer esforço.
Dos verbos que escorrem pela sua lingua sem complicação. (Essa perda é especialmente sentida por quem está acostumado a falar sem pensar. Eu saberia.)
Da certeza de ser você sem o medo do excesso. Algo com o que ainda não me acostumei.
Você sente falta das pessoas. Não necessariamente das conversas ou opiniões, mas da simples presença. De ter ao seu alcance.
Dá saudade - e de repente o brasileiro ter essa palavra em seu dicionário nunca fez tanto sentido. Essa palavra foi feita pra quem sente demais.
Dá saudade de se sentir em casa.
Existe aqui, nesse universo estrangeiro - um deslocamento constante. Como se você fosse uma peça quadrada querendo ser redonda, mas sempre sobrando nos cantos.
É solitário e as horas não ajudam, distanciando ainda mais quem já está longe.
Mas não é tudo um lamento sem consolo.
Existem as possibilidades pra te fazer companhia.
Mas elas são tantas e tão barulhentas que o coração fica meio tumultuado e a cabeça então nem se fala. É muita pressão. Pra que a viagem seja tudo aquilo que pode ser ou que você esperou que fosse. Pra que você seja tudo aquilo que pode ser ou que esperou que fosse.
"Ainda é cedo", eu escuto você dizer e já não sei se você é você mesmo ou um pedaço de mim inventando desculpas.
Ainda é cedo e ainda tem tanto por vir. E essa parte definitivamente não é um lamento.
Não se deixe enganar, em mim não mora o arrependimento. (ele sequer me visita)
Se tem alguma coisa que foi certa, foi a escolha de um lugar tão lindo que enche os olhos.
Aqui as pessoas, mesmo meros estranhos, tem sempre um sorriso pra você ainda que ele só resvale a superficie.
E quando você já esqueceu o som da sua voz, tem o mar. E os dedos se enfiando na areia quente. E as tardes de Sol, suas velhas conhecidas.
Tem tudo o que enche os olhos.
E não tem jeito de achar que tudo isso não é certo.
Por que como algo tão belo pode ser qualquer outra coisa?
Se você se sente assim, muito sozinho mesmo, então é só colocar uma música. E deixa a vista te embalar enquanto chico, elis ou tom te dão colo.
O dia aqui dura tanto. Te dando todo o tempo do mundo pra se desfazer das tristezas. Fica parecendo que até o Sol é solidário.
Deixa ele te acolher.
Dá uma chance, eu me digo.
Tô chegando lá.

Essa é uma carta pra todos que me perguntam como eu vou. E eu conto. Sem querer mascarar o que não é bonito.
Conto pra quem quiser ler.
Coloco pra fora, pra não guardar aqui dentro.
Existe uma história sendo escrita aqui. E se ela existe é, não apenas porque tem quem escreva, mas porque tem quem leia.
Minha sinceras desculpas pela falta de um final feliz.
Ainda é cedo demais pra um final.
Qualquer que seja.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Diário de Bordo

Três dias se passaram desde a minha chegada e desde já me desculpo pela falta de notícias. Ou até mesmo pelas notícias picadas.
É dificil saber a essa altura o que foi dito pra quem. O que é novidade e o que não é.
Na dúvida, repito.


A Viagem (aka 28 horas)

Não, não é a novela da Dinah.
Não, não é filme do James Franco.
É a quantidade de tempo que você fica praticamente em posição fetal, espremido entre a janela e um completo estranho a quem você vai incomodar toda vez que sua bexiga resolver fazer uma manifestação.
É o percurso de quem resolve cruzar o mundo e, sinceramente, minha admiração pelas pessoas que viajavam em caravelas jamais foi tão concreta.

Sugestões:
- Já comece a se desculpar antes mesmo de se apresentar ao sujeito que vai sentado ao seu lado. E reze pra uma criança não estar incluída no pacote. Reze fervorosamente.
- Coma sempre que puder ainda que a comida lhe provoque repulsa. Física e psicológica. É questão de sobrevência então despache as suas frescuras com as malas de viagem.
- Se possível, treine com antecedência técnicas de auto indução ao estado vegetativo. Super útil.
- A bebida é de graça, mas procure controlar os impulsos de se aproveitar da situação caso não tenha certeza de que você vai dar conta de segurar o tranco. Se entregar ao álcool nessas condições pode ser considerado um ato terrorista. Ou uma missão suicída.
- Se você é, como eu, uma pessoa ansiosa e inquieta: se drogue. Pior do que as dores de cabeça e ouvido, pior do que a coca-cola quente e o vinho morno, pior do que o seu colega de poltrona que ronca e aquela criança que está chorando há 4 horas ininterruptas, é aquela torção no estômago, sintoma claro e absoluto do pior dos males: a expectativa.


Chegadas e Partidas

Não, não é filme com o Jack Nicholson
Não, não é música cantada pela Maria Rita
Apesar de todos os contratempos a viagem decorreu sem maiores incidentes (e sem nenhum acidente, pontos extras!!). As cinzas de vulcões chilenos não fizeram qualquer aparição e o máximo de inconveniente foi provocado pela minha amnésia seletiva que fez com que eu tenha apagado completamente da memória a necessidade de trazer meu cartão internacional de vacina - algo que só fui lembrar quando já estava na Nova Zelândia, quando um brasileiro sentou ao meu lado e com o cartão em mãos me perguntou se em algum dos aeroportos já tinham pedido que eu apresentasse o meu. Com o horror estampado em meu rosto, descobri que não somente os telefones são máquinas extremamente complexas - especialmente se você está descontroladamente tentando fazer ligações do exterior - e que meus créditos haviam acabado pouco depois de trocar mensagens desesperadas com a minha mãe e a minha irmã em Belo Horizonte, que me informavam que não estavam conseguindo encontrar o bendito. Não preciso dizer que a viagem de Auckland pra Sydney foi um misto de tensão, ódio, repulsa pelo meu esquecimento, pela minha memória de peixe, pela minha pessoa e em determinado momento pelo menino brasileiro que não podia ter vindo comentar do bendito cartão alguns milhares de km e horas antes. (Depois é claro, fiquei eternamente grata, mas acho que isso não mudou a impressão que ele guardou a meu respeito: uma pessoa desequilibrada e desmiolada).
Dentro do avião, sem crédito, sem sinal e sem poder deixar o celular ligado, apaguei instântaneamente em - o que reconheço agora - uma tentativa óbvia do meu corpo de minar as destruições que poderiam ser causadas pela minha mente naquele momento.
Ao chegar em Sydney recebi 8 mensagens em meu celular, incluindo a notícia de que não somente o meu cartão fora encontrado, como uma cópia já havia sido encaminhada ao setor responsável; Além disso uma recarga havia sido feita em meu número. Nunca mais vou negar os privilêgios de ter uma mãe com habilidades psiquícas avançadas.
Para a surpresa de ninguém, não só não pediram o meu cartão como sequer procuraram o fax que havia sido encaminhado. Ao invés disso assinei a um atestado e fui despachada ao encontro das minhas malas. Sim, tanto barulho por nada.
Surpreendentemente, contra todas as expectativas, nenhuma de minhas malas havia sido extraviada. Até então. O mesmo não posso dizer do percurso de Sydney até Brisbane.


Liv in Austrália

Não, não é trocadilho acidental.
Não, eu não ligo se ele é óbviamente doloroso.
Ao chegar e perceber que o mesmo não havia acontecido com uma das minhas malas, não demorou a ficar claro que não, eu não estava mais no Brasil. Quiçá (Rá!) na América Latina! Em cinco minutos não apenas a minha mala foi localizada como ficou acertado que a cia ficaria encarregada de entregar a minha mala até o final da tarde. No meu endereço.
Assim, com uma mala a menos e a desconfiança natural de brasileiros em relação a qualquer autoridade que se comprometa a lhe oferecer um serviço sem qualquer custo extra mesmo que seja para corrigir um erro seu, segui para minha destinação final.
E me deparei com tudo aquilo que esperava e mais.
Todo mundo que me conhece e que ficou sabendo que eu ia viajar, em algum momento, me perguntou sobre o motivo que me fez escolher esse lugar especifico.
Em nenhum momento me preocupei em esconder minhas razões meramente superficiais: a vista.
Quem não quer acordar e se deparar com um pedaço do paraíso?
Eu não vou pro céu (eu sei disso, vocês sabem disso), então melhor aproveitar o paraíso que estiver ao meu alcance.
3 despedidas, 28 horas vôo, 12 horas de fuso horário, uma mala perdida, uma mala encontrada, uma puta dor de cabeça e alguns meses depois, aqui estou eu.
E posso dizer, é tudo exatamente o que eu esperava.
And so worth it.

Acho que isso é tudo.
Encerro aqui o meu primeiro relatório oficial de bordo.
E resto eu vou vivendo pra ir contando.
Agradecimentos sem fim a todos que aguardaram meus surtos psicóticos durante e pós percurso da viagem. Se vocês não forem pro céu, recomendo fortemente o litoral da Austrália ;)

Livia