terça-feira, 25 de outubro de 2011

Diário de Bordo

Três dias se passaram desde a minha chegada e desde já me desculpo pela falta de notícias. Ou até mesmo pelas notícias picadas.
É dificil saber a essa altura o que foi dito pra quem. O que é novidade e o que não é.
Na dúvida, repito.


A Viagem (aka 28 horas)

Não, não é a novela da Dinah.
Não, não é filme do James Franco.
É a quantidade de tempo que você fica praticamente em posição fetal, espremido entre a janela e um completo estranho a quem você vai incomodar toda vez que sua bexiga resolver fazer uma manifestação.
É o percurso de quem resolve cruzar o mundo e, sinceramente, minha admiração pelas pessoas que viajavam em caravelas jamais foi tão concreta.

Sugestões:
- Já comece a se desculpar antes mesmo de se apresentar ao sujeito que vai sentado ao seu lado. E reze pra uma criança não estar incluída no pacote. Reze fervorosamente.
- Coma sempre que puder ainda que a comida lhe provoque repulsa. Física e psicológica. É questão de sobrevência então despache as suas frescuras com as malas de viagem.
- Se possível, treine com antecedência técnicas de auto indução ao estado vegetativo. Super útil.
- A bebida é de graça, mas procure controlar os impulsos de se aproveitar da situação caso não tenha certeza de que você vai dar conta de segurar o tranco. Se entregar ao álcool nessas condições pode ser considerado um ato terrorista. Ou uma missão suicída.
- Se você é, como eu, uma pessoa ansiosa e inquieta: se drogue. Pior do que as dores de cabeça e ouvido, pior do que a coca-cola quente e o vinho morno, pior do que o seu colega de poltrona que ronca e aquela criança que está chorando há 4 horas ininterruptas, é aquela torção no estômago, sintoma claro e absoluto do pior dos males: a expectativa.


Chegadas e Partidas

Não, não é filme com o Jack Nicholson
Não, não é música cantada pela Maria Rita
Apesar de todos os contratempos a viagem decorreu sem maiores incidentes (e sem nenhum acidente, pontos extras!!). As cinzas de vulcões chilenos não fizeram qualquer aparição e o máximo de inconveniente foi provocado pela minha amnésia seletiva que fez com que eu tenha apagado completamente da memória a necessidade de trazer meu cartão internacional de vacina - algo que só fui lembrar quando já estava na Nova Zelândia, quando um brasileiro sentou ao meu lado e com o cartão em mãos me perguntou se em algum dos aeroportos já tinham pedido que eu apresentasse o meu. Com o horror estampado em meu rosto, descobri que não somente os telefones são máquinas extremamente complexas - especialmente se você está descontroladamente tentando fazer ligações do exterior - e que meus créditos haviam acabado pouco depois de trocar mensagens desesperadas com a minha mãe e a minha irmã em Belo Horizonte, que me informavam que não estavam conseguindo encontrar o bendito. Não preciso dizer que a viagem de Auckland pra Sydney foi um misto de tensão, ódio, repulsa pelo meu esquecimento, pela minha memória de peixe, pela minha pessoa e em determinado momento pelo menino brasileiro que não podia ter vindo comentar do bendito cartão alguns milhares de km e horas antes. (Depois é claro, fiquei eternamente grata, mas acho que isso não mudou a impressão que ele guardou a meu respeito: uma pessoa desequilibrada e desmiolada).
Dentro do avião, sem crédito, sem sinal e sem poder deixar o celular ligado, apaguei instântaneamente em - o que reconheço agora - uma tentativa óbvia do meu corpo de minar as destruições que poderiam ser causadas pela minha mente naquele momento.
Ao chegar em Sydney recebi 8 mensagens em meu celular, incluindo a notícia de que não somente o meu cartão fora encontrado, como uma cópia já havia sido encaminhada ao setor responsável; Além disso uma recarga havia sido feita em meu número. Nunca mais vou negar os privilêgios de ter uma mãe com habilidades psiquícas avançadas.
Para a surpresa de ninguém, não só não pediram o meu cartão como sequer procuraram o fax que havia sido encaminhado. Ao invés disso assinei a um atestado e fui despachada ao encontro das minhas malas. Sim, tanto barulho por nada.
Surpreendentemente, contra todas as expectativas, nenhuma de minhas malas havia sido extraviada. Até então. O mesmo não posso dizer do percurso de Sydney até Brisbane.


Liv in Austrália

Não, não é trocadilho acidental.
Não, eu não ligo se ele é óbviamente doloroso.
Ao chegar e perceber que o mesmo não havia acontecido com uma das minhas malas, não demorou a ficar claro que não, eu não estava mais no Brasil. Quiçá (Rá!) na América Latina! Em cinco minutos não apenas a minha mala foi localizada como ficou acertado que a cia ficaria encarregada de entregar a minha mala até o final da tarde. No meu endereço.
Assim, com uma mala a menos e a desconfiança natural de brasileiros em relação a qualquer autoridade que se comprometa a lhe oferecer um serviço sem qualquer custo extra mesmo que seja para corrigir um erro seu, segui para minha destinação final.
E me deparei com tudo aquilo que esperava e mais.
Todo mundo que me conhece e que ficou sabendo que eu ia viajar, em algum momento, me perguntou sobre o motivo que me fez escolher esse lugar especifico.
Em nenhum momento me preocupei em esconder minhas razões meramente superficiais: a vista.
Quem não quer acordar e se deparar com um pedaço do paraíso?
Eu não vou pro céu (eu sei disso, vocês sabem disso), então melhor aproveitar o paraíso que estiver ao meu alcance.
3 despedidas, 28 horas vôo, 12 horas de fuso horário, uma mala perdida, uma mala encontrada, uma puta dor de cabeça e alguns meses depois, aqui estou eu.
E posso dizer, é tudo exatamente o que eu esperava.
And so worth it.

Acho que isso é tudo.
Encerro aqui o meu primeiro relatório oficial de bordo.
E resto eu vou vivendo pra ir contando.
Agradecimentos sem fim a todos que aguardaram meus surtos psicóticos durante e pós percurso da viagem. Se vocês não forem pro céu, recomendo fortemente o litoral da Austrália ;)

Livia

Luz. Câmera. Ação!

Quando a vida da gente começa?

Eu não sei.
Fico esperando algum sinal, alguma pista, uma mensagem em néon seria de grande ajuda, ou pelo menos uma carta de boas vindas que viesse pelo correio. Mas não me recordo de ter visto nada parecido. Nem mesmo um memorando.

E sem saber, fico na expectativa.

Uma expectativa que começa lá atrás.

Quando você é criança, mal pode esperar pra ser gente grande.

Você conta os dias até seu aniversário. Entra ano e sai ano.

Vem os natais, vão-se os reveillons.

A puberdade chega com grande alarde. Os hormônios fazem a introdução do show (que as vezes mais parece show de horrores) e não demora para que o resto do mundo deixe bem claro que você já não é mais criança. A começar pelos seus pais, exigindo que você assuma responsabilidades que você nunca quis mas que aparentemente são parte do pacote.

Depois disso você meio que entra no piloto automático.
Estudar, namorar, viajar, trabalhar.

Você faz o que tem que fazer.

Você cresce.

O mundo parece menor, seus pais parecem mais velhos, mais cansados, mais humanos.

As responsabilidades - aquelas que vieram em letras miúdas no contrato da vida - essas nunca param de aparecer. Vem em todas as formas e tamanhos e se multiplicam sem que necessariamente você as cultive.

Tem gente que só cresce por fora, ou que tenta pelo menos.

Mas a vida pega esses no laço, mais cedo ou mais tarde.

Eu cresci.

As vezes de bom grado, as vezes na marra.
Mas ainda assim, fica esse sentimento de que a vida não começou ainda.

Eu joguei pelas regras.

Estudei e sai da escola.
Me apaixonei e quebrei a cara.

Vim, vi e vivi.
Tudo nos conformes.

E aí? Cadê o resto?

Não fica? Um gosto de falta qualquer coisa?

Eu achava que o tempo ia me dar as respostas.

Mas ele tem passado sem deixar recado.

E eu, ansiosa por natureza, confesso ter dificuldade em ficar esperando. Até porque fica o medo de deixar passar. Ou pior, de já ter deixado.

Então, você deve estar se perguntando, onde essa ladainha toda vai dar?

Já deu.

Longe, eu digo. Bem longe mesmo.

Na Austrália, pra ser mais exata.

Cansada de esperar, resolvi correr atrás. E olha só onde vim parar...

Não sei se essa é a resposta.

Mas parece um começo.

O que já tá de bom tamanho, porque sinceramente, já tinha cansado dos trailers.

Já passou da hora desse filme começar.