quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Mas o que é isso companheiro?

Em uma pesquisa informal com base em minhas experiências pessoais e a de pessoas de meu conhecimento, pela qual adquiri resultados acidentais, cheguei a conclusão que 93% dos homens heterossexuais entre as idades 16 e 63 anos sofre de uma síndrome que apelidei carinhosamente de "Que Rei Sou Eu", ou "QRSE". Essa síndrome é apenas um dos efeitos colaterais da "Babaquice Emocional" um problema muito maior que aflige homens e mulheres incapazes de se relacionarem de uma forma sadia nos dias de hoje.

Como identificar QRSE

Você provavelmente já passou por isso e nem percebeu que estava acontecendo. Ou pelo menos não sabia que tinha um nome. Algumas pessoas chamam de imaturidade, outras tentam criar desculpas com fundamentação freudiana, lacaniana ou edipiana. Algumas pessoas nem ligam, outras fingem que não ligam. Algumas abandonam completamente as aspirações sociais e se juntam à ordens religiosas de práticas celibatárias. Eventualmente todas acabam tendo seu coração partido, mais cedo ou mais tarde.

Acontece quando você menos espera. Tá tudo muito bom, tudo muito bem, todo mundo se curtindo, todo mundo feliz. Se fossemos cachorros esse momento seria o equivalente aquele primeiro encontro onde cada um cheira o traseiro do outro e se dá por satisfeito sem maiores estranhamentos. Ocasionalmente pode até rolar umas fungadas, alguns gemidos e marcação de território pela saliva, o que implica em sucesso desse primeiro encontro (Toda e qualquer semelhança com a interação entre humanos não vem ao caso nesse momento). Meu ponto é: são em ocasiões como essa, as em que menos se espera, que um deslize, por menor que seja traz resultados desastrosos. É a manifestação de QRSE e na maioria dos casos ela não foi prevista pela equipe de previsão metereológica.

Você se pergunta o que deu errado. Foi alguma coisa que você fez? Algo que você disse? Uma ofensa acidental, uma gafe?

A resposta é sim, para todas as alternativas.

Mas isso não quer dizer que a culpa seja inteiramente sua. Pelo contrário, essa síndrome apresenta reações muito parecidas com a síndrome de Estocolmo, no qual as vítimas estabelecem vínculos emocionais com os responsáveis por seu ataque, chegando ao ponto de defendê-los e desculpar suas ações.
Nesse caso você também é a vítima.

O seu maior erro aqui, foi ter expressado de forma compreensível e, possivelmente, direta a sua apreciação pelo outro.

Parece algo natural e inofensivo. Se você gosta de alguém, por que esse alguém não pode saber? Que tipo de relação é essa em que você não pode demonstrar o mínimo de afeto ou consideração? Por que tem que ser um jogo e o principal, quem inventou as regras?

Perguntas válidas e relevantes e para as quais, assim como você, não tenho a resposta.

O fato é que em algum momento das nossas vidas os sinais se inverteram e demonstrar apreciação passou a significar "se desvalorizar", ao menos no dicionário deles. Algo que ainda é permitido quando a relação é amizade (ainda que alguns indivíduos com um grau mais agudo da síndrome apresentem sintomas nesses casos também), mas que em um relacionamento com o grau mínimo de interesse sexual equivale a uma declaração assinada de hanseníase emocional.

Um dos problemas dessa síndrome é que algumas pessoas receberam o memorando informativo e outras não. As que não receberam acabam aprendendo na prática, mas não sem cicatrizes. E eventualmente, em especial quando marcadas muitas vezes, elas passam a carregar traços do mesmo mal. A verdade é que se a maioria dos homens sofre dessa síndrome, atualmente, mas cada vez mais mulheres também. É uma epidemia que já ultrapassou as barreiras de idade, gênero ou orientação sexual.

Talvez isso explique o alastramento da "Babaquice Emocional" na sociedade moderna. E a forma como isso vem afetando a dinâmica das relações, nas quais cada vez mais as pessoas tem que se mostrar menos. Um jogo em que você enfrenta oponente após oponente e que só termina quando uma das partes é vencida. Ou se você joga a toalha e decide ficar sozinho.

O que os jogadores não percebem é que nessa disputa, quem ganha é quem perde. Ser um bom jogador consiste essencialmente em não expor suas vulnerabilidades E se manter por cima. Mesmo que isso signifique passar por cima dos próprios sentimentos caso sejam recíprocos. Aliás, principalmente nesses casos. Porque quando o outro jogador sente o mesmo, então o nível de vulnerabilidade é maior e por isso seus ataques tem que ser mais certeiros para garantir a sua defesa que é entendida como uma possível "vitória".

Um dos problemas dessas práticas é o alto grau de risco. Existe sempre a possibilidade que a outra parte envolvida seja um mau perdedor, ou que simplesmente não saiba as regras. E quando a outra parte não sabe o que está acontecendo ou quando simplesmente se cansa de lutar, você pode sequer culpá-la?

Nesse jogo a solidão é seu seu fiel escudeiro. E somos todos peões.

Se você tem um coração, você está sujeito a ter ele partido e é nesse ambiente que a babaquice emocional prolifera. A síndrome "Que Rei Sou Eu" é apenas mais um dos sintomas.

Brincadeiras à parte, sejamos sinceros? (Coincidentemente - ou não - essa é uma das frases que gatilham o surto da síndrome QRSE)

Eu, pessoalmente, detesto esse jogo. Com todas as forças do meu ser. Só de pensar em ter que entrar nessa dança pra encontrar um par minha reação instintiva é a de correr sem olhar para trás, mesmo que isso signifique passar o resto dos meus dias no equivalente à Sibéria das relações interpessoais.

Por que a gente não pode ser sincero a respeito dos nossos sentimentos? Não tô falando em fazer juras de amor após cinco minutos de convivência. Pelo contrário, cada vez mais eu acredito que a primeira fase, o comecinho de uma relação estabelecida entre duas pessoas, tem que ser saboreado sem pressa e sem pressão. Só duas pessoas curtindo a companhia uma da outra. Não existe a menor necessidade de declarações de amor nesse momento, mas poxa vida, se você pode curtir até no facebook, por que não pode curtir alguém assumidamente na vida real?

Admitidamente a fase de flerte, que também se baseia em jogos, é muito gostosa. Particularmente eu gosto muito - uma vez que consigo identificar que está acontecendo - principalmente pela oportunidade de usar minha espirituosidade aparentemente inútil de um jeito engenhoso e surpreender no caminho. Falo isso pensando em retrospectiva, nos meus relacionamentos anteriores, e posso dizer com certeza que esses foram os momentos em que eu mais me diverti. Mas existe uma diferença entre brincar com meia dúzia de palavras e brincar com o coração dos outros. E ter que ficar cuidando se você está ou não pisando em ovos, faz perder a graça. Principalmente quando os ovos são os testículos alheios.

Eu sinto muito se a outra parte não tem "bolas" suficiente para lidar com os próprios sentimentos ou sentimentos alheios. Sejam essas bolas físicas ou metafóricas. A questão é, todos estamos sujeitos à "Babaquice Emocional" e seus derivados. Mas a única forma de superar essas inclinações é enfrentando de frente o problema. Sem criar desculpas, sem se esconder atrás das ações dos outros. E reconhecer o problema é o primeiro passo.

Se você está sofrendo de "Babaquice Emocional" ou acredita estar apresentando sinais de "QRSE", a cura é um caminho lento e o apoio de seus amigos e familiares vai ser muito importante nesse momento - se é que sobrou algum te aguentando. Um dia de cada vez e menos babaquice cada dia. Assuma responsabilidade pelos seus atos. E principalmente, assuma quando você dá ou não conta de seus sentimentos. Se não por você, faça pelo outro.

Agora se você foi vítima da babaquice emocional alheia, ou teve um contato de primeiro grau com "QRSE" e teme seu alto teor de contágio, existe um manual prático para pessoas como você.

Pergunte-me como.

Um comentário:

marcelle disse...

Uou, eu amei seu texto!